Os efeitos da Lei nº 13.876/2019 na modificação de competência para o processamento e julgamento dos processos que tramitam na Justiça Estadual no exercício da competência federal delegada, aplicar-se-ão aos feitos ajuizados após 1º de janeiro de 2020. As ações, em fase de conhecimento ou de execução, ajuizadas anteriormente a essa data, continuarão a ser processadas e julgadas no juízo estadual.
De acordo com a Lei n. 5.010/1966 que trata da organização da Justiça Federal de primeira instância, quando uma comarca não era sede Vara Federal, as causas em que a autarquia previdenciária era parte poderia ser processada e julgada na Justiça Estadual de domicílio do segurado/beneficiário.
É a chamada competência federal delegada, prevista nos seguintes termos:
III – os feitos ajuizados contra instituições previdenciárias por segurados ou beneficiários residentes na Comarca, que se referirem a benefícios de natureza pecuniária.
Com as modificações trazidas pela Lei n. 13.876/2019 a competência federal delegada foi extinta nos casos em que a comarca de domicílio do beneficiário/segurado da previdência social tiver uma distância de até 70 Km de alguma vara da Justiça Federal.
No ano de 2019 foi ajuizada uma demanda para restabelecimento de benefício previdenciário junto à Comarca de Guaíba/RS, local de domicílio do autor. Com base na citada Lei n. 13.876/2019, o juiz estadual declarou-se incompetente para processar e julgar o feito e determinou a remessa dos autos para uma das varas federais da Justiça Federal de Porto Alegre, localizada a 30 Km da cidade de Guaíba.
O Juízo Federal, amparado em Resolução do CJF que previa que as ações em fase de conhecimento ou execução que fossem ajuizadas antes de 01/01/2020 continuariam a ser processadas e julgadas no juízo estadual nos termos do artigo 109, § 3º da CF/88, suscitou conflito negativo de competência.
Distribuídos os autos ao STJ foi instaurado o Incidente de Assunção de Competência n. 170.051, de relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques.
O tema é de potencial relevância, uma vez que as duas alterações legislativas (Lei n. 13.876/2019 e Emenda Constitucional 103/2019) podem ocasionar a remessa de milhares de processos da Justiça Estadual para a Justiça Federal e proporcionar significativas discussões que originarão outros milhares de conflitos de competência
dirigidos ao STJ.
Assim foi delimitada a questão a ser analisada pelo STJ no debatido IAC: “efeitos da Lei n. 13.876/2019 na modificação de competência para o processamento e julgamento dos processos que tramitam na Justiça Estadual no exercício da competência federal delegada”.
As alegações levadas à análise ao STJ apontam a inconstitucionalidade do artigo 3º da Lei n. 13.876/2019, ao argumento de que a condicionante imposta pela lei (ausência de Seção Judiciária até 70 Km do domicílio do autor) afronta a CF/88, uma vez que levada a efeito antes da emenda constitucional 103/2019. A literalidade do artigo 109, §3º antes da reforma não previa a condicionante, o que poderia caracterizar inconstitucionalidade material da lei.
Outro argumento levado ao STJ foi o ônus imposto a milhares de jurisdicionados, que teriam a competência de seus processos declinados para a Justiça Federal, limitando o acesso à jurisdição.
Construindo seu entendimento, o Ministro relator do IAC rememora que a intenção do texto constituinte originário, no contexto de 1988 quando promulgada a Constituição, era a de facilitar o acesso do jurisdicionado nas demandas de natureza previdenciária.
Naquela época a Justiça Federal era centralizada nos principais centros urbanos e a instrução probatória normalmente ocorreria de fato nos locais de domicílio do pretenso beneficiário.
Assim, não por assunção, mas por delegação, os Juízes Estaduais receberam a excepcional competência previdenciária de matéria federal. Nota-se que a natureza jurídica da lide e a respectiva competência absoluta da matéria não sofreu mudança com a parcial transferência de atribuição de um órgão federal para o estadual. Tanto que no caso de recurso, sua análise será feita em segunda instância pelo órgão federal.
O Ministro Campbel enfatiza que trata-se de foros concorrentes, segundo didática de Dinamarco e, no caso do local ser sede de vara federal não há que se falar opção de escolha por parte do proponente da ação, ou seja, nesse caso a competência delegada não existirá para o Juízo Estadual.
Quando a Lei n. 13.876/2019 alterou o artigo 15, inciso III, da Lei n. 5.010/1966 e condicionou a competência delegada às comarcas com distância de 70 Km de uma vara federal, sua vigência iniciou os efeitos à data de 01/01/2020.
Por não ter ocorrido alteração da competência absoluta, que continua confiada à Justiça Federal, no
entendimento do STF não há inconstitucionalidade do dispositivo.
Assim, ultrapassada a vacatio legis e só então, as demandas em que forem parte instituição de previdência social e segurado e que se referirem a benefícios de natureza pecuniária serão distribuídas para processamentos e julgamento da Justiça Federal, ainda que inexista vara federal na comarca de domicilio do segurado com localização a menos de 70 km (setenta quilômetros) de município sede de Vara Federal.
Finda-se, automaticamente, a delegação nas Comarcas que distam até 70 km de unidades da Justiça Federal. A definição de quais Comarcas da Justiça Estadual se enquadram no critério de distância referido caberá ao respectivo TRF.
Assim, concluiu o acórdão que não há inconstitucionalidade da Lei n. 13.876/2019, nem mesmo com a imediatamente posterior reforma constitucional 103/2019, uma vez que a inconstitucionalidade não é um vício sanável por alteração posterior da Constituição.
Os feitos em andamento, em fase de execução ou não, distribuídos na Justiça Estadual por força da delegação, continuam sob a jurisdição em que estão, não havendo falar, pois, em perpetuação da jurisdição.
Assim, a tese fixada pelo STJ no IAC ora estudado assim se estabelece:
“Os efeitos da Lei nº 13.876/2019 na modificação de competência para o processamento e julgamento dos processos que tramitam na Justiça Estadual no exercício da competência federal delegada insculpido no art. 109, § 3º, da Constituição Federal, após as alterações promovidas pela Emenda Constitucional 103, de 12 de novembro de 2019, aplicar-se-ão aos feitos ajuizados após 1º de janeiro de 2020. As ações, em fase de conhecimento ou de execução, ajuizadas anteriormente a essa data, continuarão a ser processadas e julgadas no juízo estadual, nos termos em que previsto pelo § 3º do art. 109 da Constituição Federal, pelo inciso III do art. 15 da Lei n. 5.010, de 30 de maio de 1965, em sua redação original”.
O processo que originou a presente decisão, portanto, dado a data de distribuição do feito, será julgado pelo Juízo Estadual de Guaíba. Este acórdão foi publicado em 04/11/2021.
Produzido por Fernanda Fortes Rodrigues Soares, Analista Judiciário do Tribunal Regional Federal da Primeira Região e pós graduada em em Regime Geral da Previdência Social e em Regime Próprio da Previdência Social e Direito Previdenciário Militar pela Faculdade LEGALE.
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