Sob a ótica dos princípios constitucionais, especialmente o da irredutibilidade do valor dos benefícios (art. 194, parágrafo único, IV, da Constituição Federal), da igualdade, proporcionalidade e da razoabilidade, não é plausível que um benefício por incapacidade temporária tenha valor superior a um por incapacidade permanente.
Uma análise acerca da inconstitucionalidade da sistemática de cálculo da aposentadoria por incapacidade permanente (art. 26, §2º, inciso III, EC 103/2019) e das decisões judiciais sobre o tema
A Emenda Constitucional nº 103/2019 alterou significativamente a forma de cálculo de alguns benefícios previdenciários. Com relação à aposentadoria por incapacidade permanente (antiga aposentadoria por invalidez), em sua modalidade não acidentária, a EC nº 103/2019 estabeleceu em seu art. 26, §2º, III, que, até o advento de lei posterior, o cálculo deverá corresponder a 60% da média aritmética simples dos salários de contribuição, com acréscimo de 2% para cada ano de contribuição que exceder o tempo de 20 anos de contribuição para os homens ou 15 anos de contribuição para as mulheres.
Na modalidade acidentária, o valor do benefício de aposentadoria por incapacidade permanente corresponderá a 100% da média aritmética (art. 26, §3º, II, EC nº 103/2019). Já o cálculo do benefício de auxílio por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença), por sua vez, não sofreu alteração pela EC nº 103/2019, correspondendo a 91% do salário de benefício, conforme previsto no art. 61 da Lei nº 8.213/1991.
A lei a ser aplicada ao caso concreto quanto ao cálculo do valor do benefício é aquela vigente no momento da transformação do auxílio por incapacidade temporária em aposentadoria por incapacidade permanente. Assim, após a Emenda Constitucional nº 103/2019, quando o auxílio por incapacidade temporária é transformado em aposentadoria por incapacidade permanente, há um considerável decréscimo no valor do benefício.
Qual a proteção social nesse caso?
Sob a ótica dos princípios constitucionais, especialmente o da irredutibilidade do valor dos benefícios (art. 194, parágrafo único, IV, da Constituição Federal), da igualdade, proporcionalidade e da razoabilidade, não é plausível que um benefício por incapacidade temporária tenha valor superior a um por incapacidade permanente.
Nesse sentido é o entendimento da 1ª Turma Recursal dos JEFs da Seção Judiciária de Santa Catarina, conforme decisão de 14/10/2021 abaixo colacionada:
Em destaque ao princípio da irredutibilidade do valor dos benefícios, a 4ª Turma Recursal dos JEFs da Seção Judiciária do Rio Grande do Sul, por sua vez, firmou entendimento no sentido de que, na transformação do auxílio por incapacidade temporária em aposentadoria por incapacidade permanente, sob as novas regras da EC nº 103/2019, o valor do benefício, após a sua conversão, não pode ser reduzido:
Dessa forma, conforme destacado pelo voto condutor do acórdão com ementa acima, “considerando a solução de continuidade entre o amparo temporário, agora transformado em definitivo, ante o agravamento da incapacidade laborativa, parece evidente que o sistema previdenciário não pode diminuir o grau de proteção já alcançado”.
Em decisão recente, de 11/03/2022, também discutindo essa temática, a Turma Regional de Uniformização (TRU) do TRF4 conheceu e deu provimento ao Incidente Regional de Uniformização de Jurisprudência nº 5003241-81.2021.4.04.7122/RS, declarando a inconstitucionalidade do inciso III do §2º do art. 26 da EC nº 103/2019.
Em seu voto, o Juiz Federal Relator Daniel Machado da Rocha destacou o princípio da proibição de proteção deficiente que “assegura que o direito fundamental social prestacional não pode ser desprezado pelo Poder Público, quer mediante a omissão do dever de implementar as políticas públicas necessárias à satisfação desses direitos, quer mediante a adoção de política pública completamente inadequada ou insuficiente. Examinando os efeitos práticos do cálculo da aposentadoria por invalidez, depois da EC 103/2019, fica ainda mais gritante a deficiência na construção de uma adequada proteção social contra o flagelo da invalidez”.
Diante disso, a Turma Regional de Uniformização do TRF da 4ª Região decidiu, por maioria, declarar a inconstitucionalidade do inciso III do §2º do art. 26 da EC nº 103/2019 e fixar a seguinte tese:
Destaca-se que a inconstitucionalidade declarada pela TRU – 4ª Região foi realizada em sede de controle difuso-incidental, que se impõe aos juízes e Tribunais quando indispensável à prestação jurisdicional, em decorrência do princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal), desde que preservados os limites constitucionais e legais circunscritos ao controle concentrado.
Portanto, apesar da decisão não possuir caráter vinculante, representa o primeiro passo quanto ao reconhecimento – pelos demais Tribunais Regionais Federais, TNU e STF – da proteção social efetiva aos incapacitados permanentemente para o trabalho, sem discriminação entre os coeficientes aplicáveis nas modalidades acidentária e não acidentária, bem como em comparação com a sistemática de cálculo do benefício de auxílio por incapacidade temporária.
Texto produzido por Fernanda Dornelas Carvalho. Advogada e pós-graduanda em Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) e em Direito Previdenciário Militar.
Após análise, votação e aprovação em primeiro turno de votação na Câmara dos Deputados, a PEC nº 06/2019 sofreu algumas alterações em seu texto original.
Leia maisCom a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional nº 06/2019, sua promulgação em sessão solene no Congresso Nacional e a publicação do texto no diário oficial (Emenda Constitucional nº 103/2019), entraram em vigor as novas regras previdenciárias. A PEC nº 6/2019 da Presidência da República foi apresentada ao Congresso em fevereiro de 2019 e foi aprovada com uma estimativa de economia de cerca de R$ 800 bilhões em 10 anos.
Leia maisOs efeitos da Lei nº 13.876/2019 na modificação de competência para o processamento e julgamento dos processos que tramitam na Justiça Estadual no exercício da competência federal delegada, aplicar-se-ão aos feitos ajuizados após 1º de janeiro de 2020. As ações, em fase de conhecimento ou de execução, ajuizadas anteriormente a essa data, continuarão a ser processadas e julgadas no juízo estadual.
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