Nesta série de artigos serão delineados os principais traços jurídicos dos benefícios previdenciários, sendo que nesta publicação o benefício de auxílio-doença será analisado em suas principais características, visando auxiliar os profissionais e estudantes da matéria previdenciária.
O benefício de auxílio-doença tem fundamento no texto constitucional no inciso I do art. 201, o qual elege a doença como um risco do trabalhador a ser protegido pelo sistema de previdência social.
Neste início, é bom que se diga que o apontamento feito pelo texto constitucional não está definido com a precisão que deveria, pois não é a doença em si que representa um contratempo ao exercício do trabalho e à manutenção do trabalhador, mas, notadamente, a incapacidade laborativa que decorre da moléstia adquirida. O fato de ter adquirido uma doença, por si só, pode não implicar em impedimento ao exercício do trabalho.
Dessa forma, neste início de explanação, é salutar definir que a situação do trabalhador a ser protegida pela previdência social é a INCAPACIDADE LABORATIVA decorrente de uma doença ou lesão adquirida pelo trabalhador.
O benefício de auxílio-doença está regulado pelos artigos 59 a 64 da Lei 8.213/91 e pelos artigos 71 a 80 do Decreto 3.048/99. Na conceituação trazida pela lei, o auxílio-doença visa resguardar o segurado em razão da ocorrência de incapacidade temporária, por mais de 15 dias, para o exercício de suas habituais atividades.
Esta é uma situação muito comum no ambiente previdenciário, onde, diariamente, milhares de trabalhadores solicitam a tutela do Estado em face da ocorrência de casos de incapacidade laborativa. Esse impedimento laboral deve ser de natureza continuada, exigindo o legislador para a concessão do benefício de auxílio-doença que reste comprovado que a incapacidade para o seu trabalho ou para a atividade habitual perduroupor mais de quinze dias consecutivos.
O benefício de auxílio-doença pode ser concedido em razão de incapacidade laborativa adquirida seja em face de uma doença, de uma lesão ou de um acidente do trabalho, sendo que esta proteção pode receber duas qualificações, qual seja a previdenciária, no caso de ser originada em uma situação comum, ou acidentária, no caso de ocorrência de um acidente do trabalho.
O benefício de auxílio-doença pode ser requerido em quaisquer dos canais de atendimento da previdência social nas unidades de atendimento, na central telefônica ou no portal Meu INSS na internet.
A concessão do benefício de auxílio-doença previdenciário ou por acidente do trabalho exige a reunião dos seguintes requisitos:
a) Comprovação da incapacidade temporária para o trabalho por tempo superior a 15 dias consecutivos;
b) Comprovação da qualidade de segurado na data da ocorrência da incapacidade para o trabalho; e
c) Comprovação da carência mínima na data da ocorrência da incapacidade para o trabalho (quando necessária).
A incapacidade laborativa deve ser comprovada por meio de perícia médica a ser realizada pelo INSS. A norma regulamentadora estabelece que o reconhecimento da incapacidade para concessão ou prorrogação do auxílio-doença decorre da realização de avaliação pericial ou da recepção da documentação médica do segurado, hipótese em que o benefício será concedido com base no período de recuperação indicado pelo médico assistente.
Veja que o regulamento abriu caminho para a concessão direta do benefício, sem que o segurado passe por uma avaliação médico pericial. Contudo, a concessão do benefício com base apenas na avaliação do médico assistente é um prática que somente foi efetivada como projeto experimental e isolado no âmbito da previdência social.
O legislador também chegou a prever a possibilidade do segurado ser avaliado por médicos dos órgãos ou entidades do sistema único de saúde (SUS) com a realização de perícia médica por delegação ou simples cooperação técnica. No entanto, a previsão legal que retirava dos médicos peritos federais a prerrogativa da realização da perícia médica previdenciária foi revogada pela Lei n. 13.846/2019.
No ato médico pericial, um ponto de grande importância para a análise do direito ao benefício de auxílio-doença é a fixação da data do início da incapacidade (DII). O médico perito deverá estabelecer o marco inicial da incapacidade laborativa mediante decisão fundamentada a partir de dados clínicos objetivos, exames complementares, comprovante de internação hospitalar, atestados de tratamento ambulatorial, entre outros elementos. O direito ao benefício será analisado com base na DII fixada no ato da perícia médica para o segurado empregado, empregado doméstico, trabalhador avulso, contribuinte individual, facultativo, segurado especial e para aqueles em prazo de manutenção da qualidade de segurado.
A incapacidade laborativa deve ser comprovada por no mínimo 15 dias consecutivos. No caso dos segurados empregados, incumbe à empresa pagar o salário integral do trabalhador. Para os demais segurados, a previdência é quem custeará o pagamento do benefício desde a data do início da incapacidade, isto se o benefício foi requerido em até 30 dias.
Caso a incapacidade para o trabalho seja inferior a 15 dias, embora não muito bem definida a situação para alguns segurados, a interpretação que se extrai da lei é que somente haverá proteção para o segurado empregado, devendo os demais arcar com os custos deste período.
Encerrada a análise da perícia médica realizada no INSS e fixada a data de início da incapacidade (DII), serão avaliados os demais requisitos.
A qualidade de segurado será verificada no momento da ocorrência da incapacidade laborativa. Assim, ao tempo da data em que o segurado passou a não mais poder exercer suas atividades laborativas, deverá ser aferido se o trabalhador vinha mantendo seu vínculo com o regime de previdência social.
Como o auxílio-doença se trata de um benefício de natureza não programada, a existência da relação jurídica ao tempo da ocorrência da situação impedidora do trabalho é algo essencial para que se gere a proteção, sob pena de violação das regras de proteção.
Conforme definido na norma, não será devido auxílio-doença ao segurado que se filiar ao regime de previdência com doença ou lesão invocada como causa para a concessão do benefício, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão.
Veja que a existência da doença ou lesão incapacitante anteriormente à vinculação ao regime de previdência ocasionará a negativa da proteção pelo INSS em razão da falta de qualidade de segurado na data do início da incapacidade (DII).
Todavia, mesmo portador de uma doença antes da vinculação previdenciária, o segurado poderá ter direito à proteção caso a incapacidade ocorra em razão da progressão ou agravamento desta doença.
A carência mínima, ou seja, o número mínimo de contribuições mensais que o segurado já deve ter vertido ao regime, é o último requisito a ser avaliado quando do pedido de benefício de auxílio-doença. A avaliação do cumprimento da carência também será feita com base na data do início da incapacidade (DII). Exige a lei que a carência mínima para a concessão da auxílio-doença é de 12 contribuições mensais, estas já vertidas ao sistema ao tempo da ocorrência da incapacitação.
Contudo, existem situações em que a carência é dispensada, ou seja, não é exigido um número mínimo de contribuições quando do reconhecimento do direito. Conforme regulamentação, por ocasião da análise do pedido de auxílio-doença, quando o segurado não contar com a carência mínima exigida para a concessão do benefício, deverá ser observado se a situação isenta de carência. Isto ocorrerá quando a incapacidade sobrevier de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como nos casos de segurado que, após filiar-se ao regime de previdência, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e da Previdência Social.
Assim, as situações que dispensam a carência são:
– Incapacidade originada em um acidente de qualquer natureza ou causa, sendo este conceituado como aquele de origem traumática e por exposição a agentes exógenos (físicos, químicos e biológicos), que acarrete lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, a perda, ou a redução permanente ou temporária da capacidade laborativa;
– Incapacidade originada em uma doença profissional, sendo esta produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade, conforme relação constante no Anexo II do Decreto n. 3.048/99;
– Incapacidade originada em uma doença do trabalho, sendo esta adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado com ele se relacione diretamente, conforme relação constante no Anexo II do Decreto n. 3.048/99;
– Incapacidade originada em doenças ou afecções graves estabelecidas inicialmente no art. 151 da Lei 8.213/91, cuja rol por ser estabelecido pelos Ministérios da Saúde e da Previdência Social, ou órgão que faça a gestão deste política pública, atualizada a cada 3 (três) anos, de acordo com os critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado.
Ainda no tocante à carência mínima exigida pela legislação, importante destacar que caso ocorra a perda da qualidade de segurado, para fins da concessão dos benefícios de auxílio-doença, o segurado deverá contar, a partir da data da nova filiação à Previdência Social, com metade do período previsto, ou seja, 6 contribuições mensais. Somente para exemplificar a carência no reingresso, caso um segurado que já tenha contribuído por 5 anos à previdência social e venha a perder esta qualidade, quando do seu reingresso ao regime, terá que cumprir uma carência mínima de 6 contribuições mensais. Caso contrário, embora incapacitado, terá seu benefício indeferido por falta de comprovação da carência mínima.
Agora, preenchidos todos os requisitos necessários a concessão do benefício de auxílio-doença, o direito será reconhecido e será fixada a data de início do benefício, conhecida como DIB. A DIB é o termo inicial da proteção previdenciária, é a partir de quando o segurado estará efetivamente respaldado pelo sistema de previdência social.
A DIB tem regras diferenciadas conforme as categorias de segurado:
No caso do segurado empregado, a data do início do benefício será fixada a partir do 16º dia do afastamento da atividade, desde que requerido o benefício em até 30 dias da incapacitação. Como já foi mencionado, os primeiros quinze dias do afastamento ficam por conta da empresa que é responsável por pagar o salário integral do empregado neste período.
Entretanto, o benefício terá a DIB fixada somente a partir da data do requerimento, se entre este e a data do afastamento decorrer mais de 30 dias.
Estabelece ainda o regulamento que se o segurado empregado, após a cessação do benefício de auxílio-doença e o retorno da licença, voltar a se afastar em razão dos mesmos problemas dentro do período de 60 dias, o empregador está dispensado de pagar os 15 primeiros dias, devendo diretamente ser requerida a concessão da proteção previdenciária.
Para os demais segurados obrigatórios e facultativos, a DIB do benefício de auxílio-doença é fixada a partir da data do início da incapacidade (DII), desde que requerido o benefício em até 30 dias da incapacitação. Ou, a partir da data de entrada do requerimento, se entre este e a DII decorrer mais de 30 dias.
Assim, a lei estabelece que aquele segurado que necessita da proteção deve requerê-la, sob pena de mesmo incapacitado não ter direito ao recebimento de todas as prestações mensais do auxílio-doença.
O benefício será mantido enquanto o segurado estiver incapacitado temporariamente para as suas atividades habituais. O INSS poderá estabelecer, mediante avaliação médico pericial, o prazo suficiente para a recuperação da capacidade para o trabalho do segurado.
Caso o prazo fixado para a recuperação da capacidade para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual se revele insuficiente, o segurado poderá nos quinze dias que antecederem a data de cessação do benefício (DCB), solicitar a realização de nova perícia médica por meio de pedido de prorrogação (PP).
A sistemática de concessão do benefício de auxílio-doença é conhecida como alta programada, também chamada de cobertura previdenciária estimada. Até pouco tempo atrás havia a possibilidade de solicitar pedidos de prorrogação ilimitados.
Contudo, com a edição da Instrução Normativa INSS nº 90, de 17.11.2017 e a adoção de um projeto de eficiência da governança das perícias médicas, o INSS limitou o número de prorrogações, estabelecendo o pedido de perícia de manutenção, de perícia médica conclusiva e de perícia médica resolutiva. A norma estabeleceu a possibilidade de prorrogação automática do benefício quando o prazo de espera da perícia for superior a 30 dias. Neste caso, o INSS prorrogará automaticamente o benefício (por exatos 30 dias), sem necessidade de perícia.
No primeiro pedido de prorrogação feito pelo segurado, será agendada a perícia médica conclusiva, onde o médico perito terá as seguintes alternativas:
– fixar nova data para cessação do benefício (DCB), prorrogando o auxílio-doença por um período de mais 60 dias, 180 dias ou 1 ano;
– manter a data de cessação original, sugerindo ou não a concessão do benefício de auxílio-acidente;
– encaminhar o segurado para a reabilitação pelo prazo de 180 dias ou 1 ano;
– sugerir aposentadoria por invalidez;
Caso haja um novo pedido de prorrogação, ao perito será possível na perícia médica resolutiva:
– manter a data de cessação original;
– encaminhar o segurado para a reabilitação pelo prazo de 180 dias ou 1 ano;
– sugerir aposentadoria por invalidez; ou
– sugerir auxílio-acidente;
O cálculo do valor do benefício de auxílio-doença se faz pela aplicação do coeficiente de 91% sobre o salário-de-benefício, este encontrado conforme a média estabelecida no artigo 29 da Lei 8.213/91.
Associada a esta regra, também deve ser aplicado o § 10 do artigo 29, o qual estabelece que o valor do auxílio-doença não poderá exceder a média aritmética simples dos últimos 12 (doze) salários-de-contribuição, inclusive em caso de remuneração variável, ou, se não alcançado o número de 12 (doze), a média aritmética simples dos salários-de-contribuição existentes.
Com a edição da Medida Provisória n. 871/19, convertida na Lei n. 13.846/19, algumas outras regras foram criadas para limitar o gozo do benefício de auxílio-doença para o segurado recolhido à prisão. As principais novidades são:
– Não será devido o auxílio-doença para o segurado recluso em regime fechado;
– O segurado em gozo de auxílio-doença na data do recolhimento à prisão terá o benefício suspenso.
– Esta suspensão será de até sessenta dias, contados da data do recolhimento à prisão, cessado o benefício após o referido prazo.
– Na hipótese de o segurado ser colocado em liberdade antes do prazo de 60 dias, o benefício será restabelecido a partir da data da soltura.
Basicamente, foram promovidas alterações quanto ao reconhecimento da incapacidade laborativa para fins de concessão do auxílio por incapacidade temporária; à possibilidade de revisão do benefício de auxílio-acidente pela reversão das sequelas parcialmente incapacitantes; e à alteração da sistemática recursal dos benefícios por incapacidade. Além desses pontos, ficou também estabelecida a possibilidade de pagamento de tarefas extraordinárias aos médicos peritos federais.
Leia maisO teto passa de R$ 6.433,57 para R$ 7.087,22.
Leia maisConsiderando que a concessão do BPC/LOAS fica sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social – INSS, a possibilidade da avaliação social por videoconferência amplia as possibilidades de análise e dinamiza o agendamento das perícias biopsicossociais.
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