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11 de março de 2022

A paternidade judicial pós-morte e a habilitação provisória da pensão por morte

O direito à habilitação provisória da cota de pensão por morte quando ajuizada ação de reconhecimento da qualidade de dependente foi um significativo avanço da legislação previdenciária de maneira da proporcionar um melhor ambiente para a aclamação dos direitos e também resguardar àqueles que lutam pelos vínculos familiares.

João da Silva requereu o benefício de pensão por morte ao INSS quando tinha 22 anos de idade. O seu pai faleceu em 2010 quando ele ainda tinha apenas 10 anos de idade. Ocorre que o requerimento foi tardio pois a paternidade pós-morte somente foi reconhecida em 2021 por meio de decisão judicial transitada em julgado. João tinha como expectativa receber todos os valores devidos na pensão por morte desde a data do óbito de seu pai. Contudo, o INSS negou sua pretensão, indeferindo o pedido de pensão por morte por falta de qualidade de dependente quando do requerimento administrativo.

A partir deste caso fictício, podemos extrair diversos pontos importantes da legislação previdenciária:

– Como funcionam as regras para o requerimento de pensão por morte por filho menor de idade, absolutamente incapaz?

– A fixação da data de início do benefício de pensão por morte se dá a partir do óbito ou do requerimento administrativo?

– Existe alguma alternativa legal para resguardar o direito daquele que pretende reconhecer a sua qualidade de dependente por meio de ação judicial?

Em torno do caso narrado, muitos outros questionamentos podem surgir, mas nos concentraremos nestes os quais elegemos relevantes.

Primeiramente, cabe esclarecer que o legislador estabelece regras diferenciadas para o requerimento administrativo feito por menor de idade, absolutamente incapaz.

Só que estas regras devem ser analisadas na perspectiva intertemporal.

Nos termos do artigo 346 da Instrução Normativa nº 77/2015 do INSS, a pensão por morte é devida:

1) para óbitos ocorridos até o dia 10 de novembro de 1997, véspera da publicação da Medida Provisória nº 1596-14, de 10 de novembro de 1997, convertida na Lei nº 9.528, de 1997, a contar da data:

a) do óbito, tratando-se de dependente capaz ou incapaz, observada a prescrição quinquenal de parcelas vencidas ou devidas, ressalvado o pagamento integral dessas parcelas aos dependentes menores de dezesseis anos e aos inválidos incapazes;

(…)

2) para óbitos ocorridos a partir de 11 de novembro de 1997, a contar da data:

a) do óbito, quando requerida:

– pelo dependente maior de dezesseis anos de idade, até trinta dias da data do óbito; e
pelo dependente menor até dezesseis anos, até trinta dias após completar essa idade, devendo ser verificado se houve a ocorrência da emancipação;

b) do requerimento do benefício protocolizado após o prazo de trinta dias, ressalvada a habilitação para menor de dezesseis anos e trinta dias, relativamente à cota parte;

O prazo de 30 dias foi ampliado para 90 dias a partir da entrada em vigor da Lei 13.183, de 04 de novembro de 2015.

A partir da edição da Medida Provisória nº 871, de 18 de janeiro de 2019, convertida na Lei nº 13.846, de 18 de junho de 2019, a redação do dispositivo da Lei nº 8.213/1991 foi sensivelmente alterada para disciplinar que a pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data:

I – do óbito, quando requerida em até 180 (cento e oitenta) dias após o óbito, para os filhos menores de 16 (dezesseis) anos, ou em até 90 (noventa) dias após o óbito, para os demais dependentes;

II – do requerimento, quando requerida após o prazo previsto no inciso anterior;

Conforme recorte temporal e a premissa de que aplica-se a legislação vigente ao tempo do óbito do instituidor, no caso narrado acima, João da Silva teria direito ao benefício de pensão por morte desde a data do óbito caso tivesse promovido o requerimento administrativo até 30 dias após completar 16 anos. Como não requereu, a pensão por morte é devida a partir da data do requerimento administrativo. No entanto, João da Silva já havia atingido os 21 anos quando do requerimento, razão pela qual o INSS indeferiu a pedido de pensão.

Observe que as regras apontadas nos trazem luz sobre os dois primeiros questionamentos.

Mas você poderia questionar a correção dos atos administrativos praticados pelo INSS, pois, como havia um pedido de reconhecimento de paternidade, João da Silva ainda não tinha prova plena da sua condição de dependente – filho do falecido segurado. E ainda, foi a demora no processo de reconhecimento de paternidade que ensejou o decurso do tempo bastante para a perda da qualidade de dependente!

Realmente, esta é uma situação que, por falta de previsão legal, acabou por prejudicar a pretensão do beneficiário ao pedido de pensão por morte.

A Medida Provisória nº 871, de 18 de janeiro de 2019, convertida na Lei nº 13.846, de 18 de junho de 2019, buscou sanar possíveis omissões da lei e trouxe a previsão de que “ajuizada a ação judicial para reconhecimento da condição de dependente, este poderá requerer a sua habilitação provisória ao benefício de pensão por morte, exclusivamente para fins de rateio dos valores com outros dependentes, vedado o pagamento da respectiva cota até o trânsito em julgado da respectiva ação, ressalvada a existência de decisão judicial em contrário”.

Reserva-se o direito do pretenso dependente mediante a reserva da cota de pensão. A medida também beneficia o sistema previdenciário ao evitar pagamentos de benefício em duplicidade para diversos beneficiários.

A norma ainda estabelece que “nas ações em que o INSS for parte, este poderá proceder de ofício à habilitação excepcional da referida pensão, apenas para efeitos de rateio, descontando-se os valores referentes a esta habilitação das demais cotas, vedado o pagamento da respectiva cota até o trânsito em julgado da respectiva ação, ressalvada a existência de decisão judicial em contrário.”

O panorama foi alterado e as novas regras trouxeram maior segurança jurídica para o sistema e seus beneficiários.

E se a pretensão de reconhecer judicialmente a qualidade de dependente não prosperar.

A lei trouxe disciplina em que “Julgada improcedente a ação, o valor retido será corrigido pelos índices legais de reajustamento e será pago de forma proporcional aos demais dependentes, de acordo com as suas cotas e o tempo de duração de seus benefícios. Em qualquer caso, fica assegurada ao INSS a cobrança dos valores indevidamente pagos em função de nova habilitação”.

João da Silva, infelizmente, não pode se beneficiar desta norma em razão da sua inexistência ao tempo de óbito do instituidor.

A nova legislação permite ainda a reserva de cota de pensão em outras situações, como em um pedido de pensão por morte de companheira ou companheiro, quando existente outros dependentes a repartir o benefício.

Texto produzido pelo coordenador do Portal O Guia Previdenciário, Bruno Valente Ribeiro, Procurador Federal e Professor de direito previdenciário.

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