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31 de maio de 2021

TNU – Tema 253 – Não cumulatividade do BPC/LOAS com o auxílio-acidente

A TNU decidiu que é inacumulável o benefício de prestação continuada – BPC/LOAS com o auxílio-acidente, na forma do art. 20, §4º, da Lei nº 8.742/1993, sendo facultado ao beneficiário, quando preenchidos os requisitos legais de ambos os benefícios, a opção pelo mais vantajoso.

Em sessão plenária do dia 27 de maio de 2021, a Turma Nacional de Uniformização proferiu decisão no pedido de uniformização de lei federal intentado pelo INSS para definir a seguinte questão (TEMA 253):

“É inacumulável o benefício de prestação continuada – BPC/LOAS com o auxílio-acidente, na forma do art. 20, §4º, da Lei nº 8.742/1993, sendo facultado ao beneficiário, quando preenchidos os requisitos legais de ambos os benefícios, a opção pelo mais vantajoso”.

No voto do Juiz Relator, que foi acolhido por unanimidade, a decisão de mérito foi assim apresentada:

(Im)possibilidade de cumulação

No mérito, inobstante os fundamentos apresentados pelos amicus curiae, tenho que o caso é de fácil solução, bastando aplicar a lei que veda expressamente a cumulação (vedação presente desde 1974), e que, diga-se de passagem, está plenamente de acordo com o sistema de proteção social da CF/88 e não arranha o princípio da dignidade da pessoa humana. Nesse contexto, cabe ao Judiciário, como parece um pouco fora de moda nos últimos tempos, ser reverente à lei.

Começo constatando o equívoco das instâncias de origem ao invocar o §3º do art. 86 da Lei 8.213/91 para assentar a possibilidade de cumulação de LOAS e auxílio-acidente. O dispositivo em questão, em conjunto com o §2º e o art. 124, trata somente da (im)possibilidade de cumulação de benefícios previdenciários entre si. No caso do auxílio-acidente, veda a cumulação com aposentadoria, com outro auxílio-acidente e com auxílio-doença (se decorrente de mesmo evento). As cumulações não vedadas são permitidas.

No entanto, e isso é regra básica de hermenêutica, aplica-se ao caso a regra especial e mais recente, prevista no §4º do art. 20 da Lei 8.742/93, que veda expressamente a cumulação entre LOAS e benefício previdenciário, inclusive o auxílio-acidente. A cumulação com o LOAS somente é permitida, no âmbito da seguridade social, com benefícios de assistência médica e pensão especial de natureza indenizatória, que não estão em discussão nos autos.

Aproveito, desde já, para afastar a alegação descontextualizada do IBDP no sentido de que é possível a acumulação de LOAS e bolsa-família, sendo este último, também, benefício da seguridade social. Segundo o IBPD, essa possibilidade de acumulação demonstra que a vedação do § 4º do art. 20 da Lei 8.213/91, que trata de benefício da seguridade social, não é absoluta.

De início, tenho que a vedação da lei é para todo e qualquer benefício da seguridade social, salvo assistência médica e pensão especial, que não se confundem com o bolsa-família. Não consta que essa vedação tenha sido afastada ou flexibilizada pela Lei 10.836/04, que criou o bolsa-família. Na verdade, a vedação é repetida expressamente pelo art. 5º do Decreto 6.214/2007 que regulamentou o LOAS.

O que ocorre é que o bolsa-família, na forma do art. 2º da Lei 10.836/2004, é benefício destinado à unidade familiar em situação de extrema pobreza, e não a um beneficiário específico. Nesse contexto, segundo a lei e os atos regulamentares (Decreto 6.214/07, Decreto 5.209/04 e Portaria Conjunta MDSA/INSS nº 3 de 21/09/2018), é possível que um integrante do grupo familiar receba LOAS e o grupo familiar, preenchidos os requisitos legais, receba bolsa-família. Inclusive, o valor do bolsa-família não é computado para fins de LOAS (art. 4º, §2º, I e IV, do Decreto 6.214/2007). O que não é possível, por cumulação indevida, é um grupo familiar de somente um integrante, que já receba LOAS, receber, ele mesmo, bolsa-família e vice-versa.

Em resumo, a hipótese de exceção invocada pelo IBDP, na realidade, não se faz presente, não interferindo no julgamento do tema. Na verdade, somente confirma a regra da inacumulabilidade prevista em lei.

Retomando o raciocínio, havendo vedação expressa na lei (sem conflito aparente com qualquer outra norma de mesma hierarquia), a cumulação entre LOAS e auxílio-acidente somente poderia ocorrer em caso de inconstitucionalidade, ainda que parcial ou via interpretação conforme para uma ou mais hipóteses casuísticas.

Ocorre que a restrição de cumulação, no caso, é totalmente compatível com a política de assistência social formatada pela CF/88 e implementada pela Lei 8.742/93, que busca promover os mínimos sociais, atendendo, em especial, de forma subsidiária, com 01 SM, idosos e deficientes que não podem garantir o próprio sustento ou tê-lo provido por sua família.

Registro que somente essa política assistencial (LOAS), atualmente, segundo dados do Boletim Estatístico da Previdencia Social – BEPS de fevereiro de 2021, atende 4.75 milhões de idosos e deficientes, a um custo mensal de 5.22 bilhões de reais (consulta no dia 21/05/2021: https://www.gov.br/previdencia/pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos/previdencia-social-regime-geral-inss/arquivos/beps022021_final-1.pdf)

Nesse contexto, é certo que foi o próprio constituinte quem fixou as balizas da política assistencial específica do LOAS, entendendo suficiente e/ou possível a concessão de somente um salário mínimo para prover os mínimos sociais, ressalvadas outras políticas sociais, como, por exemplo, a saúde gratuita.

E o legislador ordinário, seguindo a determinação constitucional e a conjugando com outras regras e princípios da mesma estatura, como as possibilidades e o equilíbrio financeiro e orcamentário e a responsabilidade fiscal, entendeu que fazendo jus ao LOAS, o benefíciário não poderia cumulá-lo com qualquer outro benefício pago pela seguridade social. Inclusive, buscou o legislador até mesmo promover a igualdade, uma vez que não faria sentido, em sede de benefício assistencial, sem contrapartida, permitir o pagamento de valor idêntico a quem tenha e a quem não tenha renda cumulativa.

A invocação genérica de princípios como a dignidade da pessoa humana e a proteção social, em discussões como a dos autos, não contribui para o debate. Fico a me perguntar: será que somente a soma do auxílio-acidente com o LOAS garantiria ao autor destes autos e a alguns outros beneficiários uma vida digna? Talvez não seja possível responder considerada a casuística. No entanto, no plano abstrato da política pública assistencial definida pelo Estado, pode-se afirmar que uma resposta positiva implicaria aceitar que os quase 5 milhões de titulares de LOAS no Brasil, com renda limitada a 01 SM e sem cumulação, estariam desprotegidos e sem dignidade, o que não é correto ou admissível.

Vou me aventurar a uma especulação. Valendo-me do caso concreto, veja-se a que situação permitir a cumulação de LOAS com auxílio-acidente pode levar. Segurado detentor de auxílio-acidente permanece trabalhando e contribuindo e, posteriormente, se aposenta por idade, aos 65 anos. Neste cenário, não se tem dúvidas de que o auxílio-acidente será cessado, sendo sua renda integrada aos salários de contribuição para fins de cálculo do salário de benefício. Imagine-se uma renda de 01 SM ou pouco mais, que é regra no RGPS. Já outro, também detentor de auxílio-acidente, não mais trabalha/contribui e passa a ser titular de LOAS ao 65 anos (esse exemplo poderia bem ser o caso dos autos).

Se acolhida a tese, com base em princípios genéricos, chegaríamos à seguinte situação inusitada: o segundo beneficiário – que em algum momento, podendo, deixou de contribuir – teria renda mensal maior do que o primeiro (que manteve-se contribuindo). Como solucionar isso: voltar a permitir a cumulação também nos casos de aposentadoria? Com certeza, não, sob pena de instalar o caos jurídico e econômico. A saída é simples: prestigiar o sistema legal, que é funcional e compatível com a CF/88.

Em resumo, e observando a pacífica jurisprudência do STJ, à qual a TNU também deve reverência, tenho que não é possível acumular LOAS e auxílio-acidente (seja de que valor for este benefício), pois seria uma hipótese de sobreproteção social vedada pelo sistema constitucional de seguridade social.

Da possibilidade de renúncia e opção pelo benefício mais vantajoso

Aqui também a solução é simples, uma vez que não existe controvérsia entre as partes e a legislação acolhe a solução, conforme se vê do artigo 533 da IN 77/2015, invocado pelo próprio INS:

Art. 533. O titular de benefício previdenciário que se enquadrar no direito ao recebimento de benefício assistencial será facultado o direito de renúncia e de opção pelo mais vantajoso, exceto nos casos de aposentadoria por idade, tempo de contribuição e especial, haja vista o contido no art. 181-B do RPS.

Assim sendo, não estando o auxílio-acidente nas exceções do dispositivo citado, é possível a sua renúncia por parte do beneficiário, para obter o LOAS, se mais vantajoso, é claro.

Da fixação da tese

Propõe-se a fixação de tese nos seguintes termos: “É inacumulável o benefício de prestação continuada – BPC/LOAS com o auxílio-acidente, na forma do art. 20, §4º, da Lei nº 8.742/1993, sendo facultado ao beneficiário, quando preenchidos os requisitos legais de ambos os benefícios, a opção pelo mais vantajoso”.

O plenário, por unanimidade, acolheu a tese para reconhecer a impossibilidade de cumulação do benefício assistencial (BPC/LOAS) com o auxílio-acidente, oportunidade, contudo, a opção pelo benefício que possa ser mais vantajoso ao beneficiário.

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