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22 de julho de 2021

O INSS e o afastamento das gestantes empregadas no período da pandemia

Decisões judiciais imputam ao INSS o dever de pagar o salário de gestantes afastadas na pandemia devido a lei 14.151/21.

Em 13 de maio de 2021 foi publicada a Lei 14.151 que disciplinou o afastamento da empregada gestante das atividades de trabalho presencial durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus.

Segundo a referida legislação, cuja redação peca pela simplicidade e pela falta de previsibilidade dos efeitos jurídicos oriundos de suas normas, “durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração”. A norma foi enfática ao afirmar que a gestante não pode continuar suas atividades no ambiente da empresa, devendo ser afastada sem prejuízo de sua remuneração. O afastamento não implica em desoneração das responsabilidades da empregada, devendo esta se manter à disposição da empresa em esquema de teletrabalho. O Parágrafo Único do artigo 1º, dispõe que “a empregada afastada nos termos do caput deste artigo ficará à disposição para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância”.

A nova legislação trouxe apenas estas determinações. Não indicou possíveis sanções em razão de seu descumprimento ou se seria possível adotar outras legislações que permitam a suspensão do contrato de trabalho neste período excepcional de pandemia. Há que se registrar que existem diversas profissões não compatíveis com o teletrabalho, como por exemplo: enfermeiras, motoristas, caixas de supermercado, atendentes de loja e etc. E como resolver essa questão?

Muitas discussões estão sendo travadas sobre os efeitos jurídicos da nova legislação, sendo que existem correntes que entendem recair sobre o empregador o dever de custear todo o período de afastamento, bem como correntes que entendem que seria possível se valer das normas da Medida Provisória n. 1.045, de 28 de abril de 2021, que instituiu o Novo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e estabeleceu a possibilidade de suspensão temporária do contrato de trabalho.

Contudo, uma nova perspectiva vem surgindo com a judicialização dos casos de afastamento, onde a empresa entende não ser responsável pelo pagamento da remuneração da empregada. De fato, cabe ao Poder Público estabelecer a política de enfrentamento da pandemia e proporcionar os meios necessários para a manutenção da população. Neste cenário, outras alternativas estão sendo construídas de maneira a transferir ao INSS o dever de custear o período de afastamento das gestantes. Seria um caso de extensão do benefício de salário-maternidade com antecipação do pagamento desde o instante do afastamento da empregada.

Conforme noticiado no Migalhas (16.07.2021), “Em duas decisões distintas, juízes de SP decidiram que é o INSS quem deve pagar o salário de gestantes afastadas na pandemia devido a lei 14.151/21. Os magistrados consideraram que não pode a empregadora ser obrigada a arcar com tais encargos, na impossibilidade do exercício da profissão ocasionada pela crise emergencial de saúde pública”.

A tutela de urgência, proferida nos autos do processo n. 5006449-07.2021.4.03.6183, fundamentou que “a Lei nº 14.151/2021 não estabeleceu a efetiva responsabilidade da empresa pelo pagamento dos salários no período do afastamento das empregadas gestantes, impossibilitadas de trabalhar à distância pela própria natureza das suas atividades, entendo que não é incompatível com o ordenamento jurídico vigente o pagamento do salário-maternidade, durante o período de afastamento, em razão do risco para a gravidez, ocasionado pela Pandemia de Covid-19”.

Contudo, a referida decisão cria uma nova situação para a concessão de benefício de salário-maternidade à despeito das normas constantes da Lei 8.213, de 1991.

A Turma Nacional de Uniformização (TNU), no julgamento do PEDILEF Nº 0502141-97.2019.4.05.8501/SE, entendeu que “não cabe ao Poder Judiciário, subvertendo a lógica do auxílio-doença, transformá-lo em política pública de assistência social para enfrentamento da pandemia ao arrepio de qualquer previsão legal.”

A situação analisada pela TNU diz respeito à concessão de auxílio por incapacidade temporária sem a comprovação dos requisitos descritos na lei de benefícios do RGPS (Lei 8.213/91), situação esta que pode ser considerada muito semelhante ao caso narrado acima, onde o magistrado entende devido o benefício de salário-maternidade antes do período estabelecido pela legislação (a partir do 28º dia que antecede o parto).

O artigo completo sobre a decisão da TNU pode ser acessado no endereço TNU – A pandemia de COVID não autoriza concessão de benefício sem incapacidade comprovada.

Não há como não reconhecer o valor protetivo proporcionado pela nova legislação em favor das empregadas gestantes. No entanto, a construção legislativa falhou em não prever situações onde o trabalho se mostra incompatível com a atuação remota da trabalhadora. Nestes caso, implicar à empresa o ônus do pagamento integral do salário, bem como custeio de uma nova empregada no cargo temporariamente vago, é algo intensamente oneroso para o empregador. O Estado é quem deve assumir o ônus desta proteção! Agora, não se pode confundir o dever do Poder Público com as obrigações do sistema previdenciário, cujas normas devem necessariamente estar previstas em lei. Não cabe a criação de novo benefício ou extensão dos já existentes sem apoio na estrita legalidade, bem como na inafastável exigência da preexistência de custeio total (artigo 195, § 5º da Constituição Federal – “Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total”).

Fontes:

BRITO, Ednaldo. A suspensão do contrato de trabalho da empregada gestante e a Lei 14.151/2021. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6551, 8 jun. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/91044. Acesso em: 22 jul. 2021.

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Texto produzido por Bruno Valente Ribeiro, coordenador do portal O Guia Previdenciário, professor de direito previdenciário e procurador federal (PGF/AGU).

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