Artigos

Você está em: Home Artigos
3 de novembro de 2021

TEMA 979 DO STJ – Segurado tem que devolver os valores recebidos de boa-fé?

Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.

Esse tema trata dos casos em que por interpretação errônea ou má aplicação da lei ou erro da Administração, o segurado recebe valores a título de benefício previdenciário. Nas palavras do STJ, eis a delimitação da controvérsia:

    Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.

Ressalta-se que não é o caso de valores de benefício recebidos a título de tutela posteriormente revogada. O tema dos valores recebidos por tutela é o tema 692 do STJ.

O leading case foi um Mandado de Segurança impetrado por um titular de benefício de aposentadoria por idade no valor de um salário mínimo. O beneficiário, como representante legal de uma pessoa titular de pensão por morte na condição de filha menor, recebeu o benefício por tempo maior que o devido, uma vez que mesmo atingida a maioridade o beneficio não foi cessado. O INSS em revisão administrativa passou a descontar do benefício do impetrante em questão o montante de 30%. O juiz de primeiro grau deferiu a tutela no MS para cessarem os descontos e em sentença manteve a suspensão e ainda determinou a devolução dos valores descontados desde a impetração do MS.

O Tribunal confirmou a sentença, não possibilitando a devolução dos valores que definiu como recebidos de boa fé.

O INSS, em recurso especial, insistiu na contrariedade ao artigo 115 da Lei n. 8213/1991, que permite o ressarcimento ao erário dos valores recebidos indevidamente, independentemente da natureza alimentar do
benefício que sofre o desconto. Afirmou o INSS, ainda, que independe da boa-fé ou da má-fé no recebimento. Fundamentou o recurso na afronta aos artigos 884 e 885 do CC; (enriquecimento sem causa) art. 115 da Lei
8213/191 e art. 154, §2º, II do Decreto 3.048/99.

O Ministro Relator do voto Benedito Gonçalves foi delineando o seu voto nos seguintes passos:

    i) já havia repetitivo sobre a devolução dos valores recebidos por força de tutela posteriormente revogada, cuja fundamentação foi a vedação do enriquecimento sem causa;
    ii) na questão de que a Administração tem o poder-dever de rever seus atos quando eivados de vícios;
    iii) de que o recebimento de benefício indevido, ainda que de boa-fé, deve ser analisado com ponderação;
    iv) que quando há erro material e esse erro resulta em pagamento indevido de recursos públicos, a devolução dos valores deve ser considerada sob pena de desequilíbrio ao erário.

Seguindo essa linha de raciocínio, o relator propõe a fixação da seguinte tese:

    “É lícito o desconto no benefício previdenciário quando, após o devido processo legal, constatar-se que o pagamento indevido se deu por erro da Administração Previdenciária, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento), observando-se os princípios da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade e da razoabilidade”.

Acrescenta que a tese somente deverá ser aplicada aos processos distribuídos a partir da publicação do acórdão construído.

Frise-se que o relator restringiu as devoluções nos casos de pagamento decorrentes de erro material ou operacional da Administração. E ressalvou os casos de recebimento com boa-fé objetiva.

Questão interessante e divergente do voto vista (Ministra Assusete Magalhães) diz respeito ao seguinte.

É certo que as hipóteses fáticas que admitem a análise da devolução são três:
i) interpretação errônea;
ii) má aplicação da lei;
iii) erro da Administração e compara o interesse ao benefício de natureza alimentar ao segurado, garantidor de sua dignidade, ao interesse patrimonial do Estado em se ver ressarcido.

Concluiu pela maior preponderância ao interesse da pessoa humana, no caso de mero erro da Administração e no caso exclusivo de boa-fé objetiva. Ademais, prossegue o voto vista, foi essa a conclusão no caso de recebimento a maior por servidores públicos.

Quando se fixou a tese de irrepetibilidade dos valores recebidos de boa-fé pelo servidor público, delimitou-se o sentido da boa-fé, da boa-fé objetiva, como aquela em que a pessoa não teria como presumir, na ocasião do pagamento, de que aqueles valores não eram legais e definitivos. Na ocasião comparou com o exemplo do servidor, sem filhos, que recebe auxílio-natalidade, como é notório o erro e compatível com a percepção média. O Ministro Herman Benjamin assim define boa-fé objetiva:

    ‘O elemento configurador da boa-fé objetiva é a inequívoca compreensão, pelo beneficiado, do caráter legal e definitivo do pagamento’ (REsp 1.657.330/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 25/04/2017).

O voto vista, portanto, divergiu da relatoria no tocante ao tratamento diferenciado aos casos de erro material ou erro operacional, para a Ministra, uma vez configurada a boa-fé objetiva não há diferenciação e não deveria ser cobrada a devolução.

Ainda assim, a conclusão do acórdão foi a de que SÃO REPETÍVEIS os valores recebidos em decorrência de erro da Administração, seja esse erro material ou operacional, não decorrente de interpretação errônea ou equivocada da lei. Sendo legítimo o desconto de até 30% do benefício que o segurado/beneficiário receba. Frisou-se que se comprovada a BOA-FÉ OBJETIVA, NÃO TEM QUE DEVOLVER.

A questão foi modulada e só atinge os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação do acórdão, que se deu em 23/04/2021.

Já ocorreu o trânsito em julgado dessa decisão (17/06/2021).

Produzido por Fernanda Fortes Rodrigues Soares, Analista Judiciário do Tribunal Regional Federal da Primeira Região e pós graduada em em Regime Geral da Previdência Social e em Regime Próprio da Previdência Social e Direito Previdenciário Militar pela Faculdade LEGALE.

Artigos relacionados

Newsletter