Com base nas regras abaixo descritas é possível elucidar os casos relativos a dependentes dos segurados do RGPS já considerando as normas trazidas pela Emenda Constitucional nº 103/2019, Lei 8.213/91, Decreto nº 3.048/99, IN nº 128/2022 do INSS e a jurisprudência dominante.
Os dependentes dos segurados compõem uma categoria de beneficiários do Regime Geral de Previdência Social – RGPS. Os segurados da previdência social na qualidade de obrigatórios (artigo 11 da Lei 8.213/91) ou facultativos (artigo 13 da Lei 8.213/91) contribuem diretamente ao sistema e, além da própria proteção, ainda garantem a proteção de um grupo de pessoas com vínculos familiares que são denominados de dependentes.
Os dependentes dos segurados estão disciplinados no artigo 16 da Lei 8.213/91 e também no artigo 16 do Decreto 3.048/99 (regulamento da previdência social). A legislação descreve 3 (três) classes de dependentes, assim consideradas:
1a Classe:
O cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de vinte e um anos de idade ou inválido ou que tenha deficiência intelectual, mental ou grave;
2a Classe:
Os pais;
3a Classe:
O irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de vinte e um anos de idade ou inválido ou que tenha deficiência intelectual, mental ou grave.
A criação pelo legislador das três classes de dependentes teve por objetivo estabelecer regras distintas para a proteção destes beneficiários. O entendimento em torno da proteção dos dependentes passa por estes seguintes pontos:
1º) PREVALÊNCIA ENTRE AS CLASSES
Segundo o que determina a legislação, “a existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes”. Ou seja, existe uma prioridade na proteção das classes superiores em detrimento das inferiores. A mera existência de um dependente de classe superior exclui definitivamente o direito das demais classes. Por exemplo, se um segurado vier a falecer deixando um filho menor de 21 anos como seu dependente, este será o único possível beneficiário da pensão por morte, mesmo que existam outros familiares como pais e irmãos vivendo sob a dependência econômica do falecido segurado. Embora esta regra possa promover alguns questionamentos, não há interpretação jurisprudencial em sentido diverso.
2º) TRATAMENTO IGUALITÁRIO ENTRE OS DEPENDENTES DE MESMA CLASSE
Nos termos da legislação, “os dependentes de uma mesma classe concorrem em igualdade de condições”. Assim, existindo uma pluralidade de dependentes de mesma classe a se habilitar ao benefício, o valor apurado em seu cálculo será revertido em partes iguais entre eles. Embora veremos no próximo ponto que a quantidade de dependentes influi no cálculo do valor do benefício, não altera a divisão do valor entre eles, pois a regra determina a paridade na distribuição do valor do benefício em prol dos dependentes de mesma classe.
3º) CÁLCULOS DO VALOR DO BENEFÍCIO DE PENSÃO POR MORTE
Desde a edição da Emenda Constitucional nº 103/2019, o cálculo do valor do benefício de pensão por morte leva em consideração o número de dependentes para apurar a renda mensal de benefício.
Segundo o que estabelece o caput do artigo 23 da EC 103/2019:
Assim, para os óbitos ocorridos após a entrada em vigor da nova regra (13/11/2019), o cálculo da pensão por morte observará uma cota familiar de 50% da base de cálculo indicada, bem como o acréscimo de 10% da mesma base a cada dependente habilitado, limitado a 100%.
Essa mudança foi significativa, pois a regra anterior garantia 100% da mesma base de cálculo para todas as situações.
4º) EXTINÇÃO DA COTA PARTE DO DEPEDENTE
Até a entrada em vigor da EC nº 103/2019, a cota parte do dependente que perdia esta condição era revertida em favor dos demais dependentes remanescentes.
Contudo, a regra foi alterada e o § 1º do artigo 23 da EC 103/2019 passou a estabelecer que:
Mas atenção! A extinção da cota se refere ao percentual de 10%! Toda vez que um dependente perde sua condição de beneficiário o benefício é recalculado, considerando a extinção dos 10% inicialmente considerados.
5º) PRESERVAÇÃO DE GARANTIAS DO DEPENDENTE INVÁLIDO OU DEFICIENTE
Segundo o que estabelece a EC nº 103/2019, na hipótese de existir dependente inválido ou com deficiência intelectual, mental ou grave, o valor da pensão por morte será equivalente a 100% (cem por cento) da aposentadoria recebida pelo segurado ou daquela a que teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito, até o limite máximo de benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
Assim, de maneira a garantir um ambiente jurídico de proteção mais amplo para o dependente que ostentar a condição de inválido ou pessoa portadora de deficiência mental, intelectual ou deficiência grave, a norma garantiu um cálculo mais privilegiado do benefício de pensão por morte.
No entanto, quando não houver mais dependente inválido ou com deficiência intelectual, mental ou grave, o valor da pensão será recalculado conforme a regra geral (50% + 10% até o limite de 100%).
6º) DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA
A legislação previdenciária estabelece que dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I do artigo 16 da Lei 8.213/91 é presumida e a das demais deve ser comprovada.
Nestes termos, para ter direito ao benefício de pensão por morte ou auxílio-reclusão, o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de vinte e um anos de idade ou inválido ou que tenha deficiência intelectual, mental ou grave somente precisam comprovar a relação de parentesco com o instituidor do benefício, ficando dispensados de demonstrar qualquer relação financeira de manutenção.
Por outro lado, os dependentes apontados nos incisos II e III do artigo 16 da Lei 8.213/91, ou seja, os pais e o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de vinte e um anos de idade ou inválido ou que tenha deficiência intelectual, mental ou grave, além de comprovarem o vínculo familiar mediante documentos válidos, deverão também demonstrar a dependência econômica.
O INSS exige que essa dependência econômica seja permanente, mesmo que for parcial ou total. Ou seja, o pretenso dependente deverá trazer prova de que vive sob as expensas do falecido instituidor, mediante o custeio das condições básicas à sua manutenção e subsistência. Essa dependência pode ser parcial (somente parte das despesas) ou total (o dependente não possui qualquer renda), mas exige-se que haja uma manutenção de natureza continuada.
7º) PROVA CONTEMPORÂNEA DA DEPENDÊNCIA ECONÔMICA
A lei ainda exige que a dependência econômica seja comprovada por meio de duas provas materiais contemporâneas dos fatos, sendo que pelo menos uma delas deve ter sido produzida em período não superior a 24 (vinte e quatro) meses anterior ao fato gerador, não sendo admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito.
8º) EQUIPARAÇÃO AO DEPENDENTE FILHO
A legislação previdenciária estabelece que o enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica.
Desde a edição da Lei 9.528/97, a figura do menor sob guarda foi excluída da condição de equiparado a filho. Todavia, em razão do §3º do artigo 33 do ECA (Lei nº 8.069/90) que garante que guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários, a jurisprudência do STF firmou entendimento de que a interpretação a ser dada ao art. 16, § 2º, da Lei 8213/1991 deve incluir os “menores sob guarda” na categoria de dependentes do RGPS, em consonância com o princípio da proteção integral e da prioridade absoluta, desde que comprovada a dependência econômica nos termos da legislação previdenciária.
O imbróglio foi reavivado pelo texto da Emenda Constitucional nº 103/2019, que trouxe redação no sentido de que “equiparam-se a filho, para fins de recebimento da pensão por morte, exclusivamente o enteado e o menor tutelado, desde que comprovada a dependência econômica” (artigo 23, §6º).
O Decreto nº 3.048/99 replica tal informação por meio da atualização trazida pelo Decreto nº 10.410, de 2020.
Com isso, a redação do §6º do artigo 23 da EC 103/2019 deve ainda ser objeto de questionamento perante o STF e devemos aguardar como o Tribunal irá se pronunciar.
9º) FILHO OU IRMÃO UNIVERSITÁRIO NÃO TEM DIREITO À PRORROGAÇÃO DO BENEFÍCIO
Como regra, a idade do filho para se beneficiar como dependente de um segurado é até antes dos 21 anos, ou seja, no aniversário de 21 anos o filho perde a qualidade de dependente.
Todavia, muito se buscou no judiciário pela prorrogação da condição de dependente até os 24 anos quando o filho é universitário.
Contudo, essa interpretação não foi acolhida e a jurisprudência é pacífica no sentido da impossibilidade de prorrogação.
Cita-se jurisprudência do STJ:
10º) FILHO OU IRMÃO NÃO EMANCIPADOS
Segundo a legislação previdenciária, o filho ou irmão maior de 16 (dezesseis) anos, perde a qualidade de dependente antes de completar 21 (vinte e um) anos de idade, caso tenha ocorrido:
a) casamento;
b) início do exercício de emprego público efetivo;
c) concessão de emancipação, pelos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver 16 (dezesseis) anos completos.
Obs. Considerando ausência expressa na legislação de definição quanto a economia própria, resta prejudicada a aplicação de perda de qualidade ao dependente filho ou enteado ou tutelado, ou ao irmão, menor de 21 (vinte e um) anos de idade, que constitua estabelecimento civil ou comercial ou possua relação de emprego que não seja público efetivo.(§§ 3º e 9º do artigo 181 da IN 128/2022).
11º) FILHO OU IRMÃO INVÁLIDO OU PORTADOR DE DEFICIÊNCIA
O filho ou o irmão inválido ou portador de deficiência mental ou intelectual, após reconhecimento pela perícia médica ou biopsicossocial, tem direito de manter a condição de dependente mesmo após os 21 anos de idade.
Contudo, a legislação previdenciária estabelece um marco temporal para a ocorrência da invalidez ou da deficiência.
Segundo o § 1º do artigo 17 do Decreto nº 3.048/99, o filho, o irmão, o enteado e o menor tutelado, desde que comprovada a dependência econômica dos três últimos, se inválidos ou se tiverem deficiência intelectual, mental ou grave, não perderão a qualidade de dependentes desde que a invalidez ou a deficiência intelectual, mental ou grave tenha ocorrido antes de completar 21 anos, do casamento, início do exercício de emprego público efetivo, entre outras causas de emancipação.
O artigo 108 do Decreto nº 3.048/99 traz ainda que a eclosão da invalidez ou da deficiência deva ocorrer antes do óbito do instituidor:
A Instrução Normativa do INSS nº 128/2022 manteve o posicionamento no sentido de exigir a constatação do início da invalidez ou deficiência em momento anterior à perda da qualidade de segurado.
Segundo a nova IN:
§ 9º Na hipótese do § 8º, a qualidade de dependente será reconhecida quando a invalidez ou deficiência tiver início em data anterior à eventual perda da qualidade de dependente e perdurar até a data do óbito do segurado instituidor.
No entanto, a jurisprudência dos tribunais superiores (STJ e TNU) traz posicionamento no sentido de admitir o reconhecimento da qualidade de dependente do filho maior inválido ou deficiente, mesmo que esta condição tenha se instaurado posteriormente à emancipação ou à maioridade, devendo ser anterior ao óbito do instituidor.
12º) COMPROVAÇÃO DO CASAMENTO E DA UNIÃO ESTÁVEL
Segundo o que disciplina a IN nº 128/2022, o cônjuge deve comprovar sua qualidade de dependente unicamente pela certidão de casamento, acompanhada de declaração da inexistência de separação de fato.
Já o companheiro ou a companheira devem demonstrar que mantém união estável com o segurado ou a segurada, sendo esta configurada na convivência pública, contínua e duradoura entre duas pessoas, estabelecida com intenção de constituição de família, devendo ser comprovado o vínculo.
Para a comprovação da união estável também será exigida prova contemporânea, sendo exigidas duas provas materiais contemporâneas dos fatos, sendo que pelo menos uma delas deve ter sido produzida em período não superior a 24 (vinte e quatro) meses anterior ao fato gerador, não sendo admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito.
Segundo ainda a IN:
I – os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;
II – os afins em linha reta;
III – o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;
IV – os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;
V – o adotado com o filho do adotante;
VI – as pessoas casadas; e
VII – o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.
§ 1º Não se aplica a incidência do inciso VI do caput no caso de a pessoa casada se achar separada de fato, judicial ou extrajudicialmente.
§ 2º Não é possível o reconhecimento da união estável, bem como dos efeitos previdenciários correspondentes, quando um ou ambos os pretensos companheiros forem menores de 16 (dezesseis) anos.
13º) A SEPARAÇÃO E O ROMPIMENTO DOS VÍNCULOS CONJUGAIS / MATRIMONIAIS
A legislação previdenciária exige que a proteção ao cônjuge ou companheiro(a) ocorra na constância da relação matrimonial ou conjugal, de maneira que o desfazimento do vínculo importa em perda da qualidade de dependente.
No caso do cônjuge, ocorre a perda da qualidade de dependente pela separação, seja extrajudicial, judicial ou de fato, pelo divórcio, pela anulação do casamento ou por sentença judicial transitada em julgado. No caso da união estável, pela sua cessação.
Contudo, a fim de garantir a manutenção para além do vínculo, a lei permite o reconhecimento da qualidade de dependente para o ex-cônjuge ou ex-companheiro(a), desde que esteja recebendo pensão alimentícia, ou que comprove o recebimento de ajuda financeira, sob qualquer forma, após a separação ou divórcio ou a cessação da união estável.
A compilação destes pontos permite uma segura interpretação em torno das regras existentes para a proteção dos dependentes dos segurados do RGPS.
Texto produzido por BRUNO VALENTE RIBEIRO, coordenador do Portal O Guia Previdenciário, professor de direito previdenciário, Procurador Federal (AGU).
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