A Lei n. 13.846/19 trouxe alterações para os beneficiários de auxílio-acidente no que se refere à manutenção da qualidade de segurado.
Uma alteração importante trazida pela Lei n. 13.846/19, fruto da conversão da Medida Provisória n. 871/19, foi a modificação do inciso I do art. 15 da Lei n. 8213/91.
O dispositivo da Lei 8.213/91 determinava que o segurado manteria esta condição perante o sistema de previdência social, independentemente de contribuições, sem limite de prazo, durante o gozo de benefício.
Nesta toada, durante o período de gozo de benefício, há garantia de manutenção da qualidade de segurado mesmo que não haja contribuição pelo segurado. Esta regra se aplicava também ao benefício de auxílio-acidente, sendo que a Instrução Normativa n. 77/2015 do INSS, embora não mais em consonância com o atual regramento, assim dispõe em seu art. 137:
“Art. 137. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuição:
I – sem limite de prazo, para aquele em gozo de benefício, inclusive durante o período de recebimento de auxílio-acidente ou de auxílio suplementar;”
A percepção do benefício de auxílio-acidente, garantia de natureza indenizatória e compatível com o exercício de atividade laborativa, porporcionava ao segurado a manutenção do vínculo previdenciário independentemente de contribuições.
Embora o auxílio-acidente fosse pago quando o segurado tivesse alta médica pela previdência social e retornava ao mercado de trabalho, mesmo que não obtivesse labor passível de gerar recolhimentos de contribuições ao regime, manteria o vínculo previdenciário enquanto permanecesse em gozo da proteção indenizatória.
Com a alteração promovida pela lei n. 13.846/19, o dispositivo legal passou a disciplinar a questão da seguinte maneira:
Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I – sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício, exceto do auxílio-acidente;
Assim, o auxílio-acidente deixou de ser um benefício que proporciona a manutenção do vínculo de segurado sem que ocorram contribuições ao regime.
A alteração específica em relação a este benefício tem justificativa na natureza da proteção garantida pelo regime, já que o auxílio-acidente permite que o beneficiário possa cumular o recebimento da proteção com o exercício de suas anteriores funções ou de novas atividades pelas quais o trabalhador for reabilitado.
Dessa forma, cumpre ao trabalhador em gozo de auxílio-acidente, para manter a sua qualidade de segurado, retomar suas contribuições e mantê-las a fim de perpetuar sua relação com a previdência social.
Pela nova regra estabelecida, o trabalhador em gozo de auxílio-acidente que interromper suas contribuições estará sujeito à disciplina do §4º do art. 15 da Lei 8.213/91, o qual determina o momento de rompimento da relação previdenciária pela ausência de contribuições ao regime.
A desfiliação previdenciária ou também chamada de perda da qualidade de segurado implica em caducidade dos direitos inerentes a este qualidade, importando em rompimento do vínculo de proteção.
Um ponto em discussão, frente a alteração promovida no inciso I do art. 15 da lei 8.213/91, seria o efeito temporal da mudança, de maneira que a perda da qualidade de segurado para o beneficiário de auxílio-acidente somente ocorreria para aqueles cujos benefícios foram concedidos após a entrada em vigor da nova legislação.
Em outras palavras, somente seria possível a ocorrência da perda da qualidade de segurado pela interrupção das contribuições, para os beneficiários de auxílio-acidente cuja proteção foi deferida após 18 de junho de 2019, data da publicação da Lei 13.846/19.
A aplicação da lei vigente ao tempo da concessão do benefício consagra o princípio do “tempus regit actum”, adotado pelo Tribunais Superiores na interpretação das normas previdenciárias intertemporais.
Para ilustrar a questão, segue jurisprudência do STJ sobre questão análoga de alteração de regra do auxílio-acidente:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CUMULAÇÃO DE AUXÍLIO-ACIDENTE COM APOSENTADORIA. SEQUELA INCAPACITANTE ECLODIDA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI 9.528/1997. PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM. CABIMENTO. ACÓRDÃO RECORRIDO EM SINTONIA COM O ATUAL POSICIONAMENTO DO STJ.
1. A Primeira Seção do STJ, no julgamento do Tema 555, vinculado ao Recurso Especial Repetitivo 1.296.673/MG, consolidou o entendimento de que “a acumulação do auxílio-acidente com proventos de aposentadoria pressupõe que a eclosão da lesão incapacitante, apta a gerar o direito ao auxílio-acidente, e a concessão da aposentadoria sejam anteriores à alteração do art. 86, §§ 2º e 3º, da Lei 8.213/1991, promovida em 11.11.1997 pela Medida Provisória 1.596-14/1997, posteriormente convertida na Lei 9.528/1997”.
2. Na hipótese dos autos, o acórdão combatido consignou expressamente que “o começo da sequela laboral incapacitante e o consequente benefício ocorreram em 1993, ou seja, antes da entrada em vigor da Lei 9.528/1997” (fls. 73-74, e-STJ).
3. Dessume-se que o decisum impugnado está em sintonia com o atual posicionamento do STJ, razão pela qual não merece prosperar a irresignação.
4. Recurso Especial não provido.
(REsp 1802077/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/05/2019, DJe 29/05/2019)
Esse ponto ainda será objeto de regulamentação e teremos oportunidade de discutir os efeitos gerados pela mudança na legislação.
Em julgamento do PEDILEF nº 5005679-21.2018.4.04.7111/RS (Tema 278), a TNU fixou a tese de que o segurado que trabalhava sob condições especiais e passou, sob qualquer condição, para regime previdenciário diverso, tem direito à expedição de certidão desse tempo identificado como especial, discriminado de data a data, ficando a conversão em comum e a contagem recíproca a critério do regime de destino, nos termos do art. 96, IX, da Lei n.º 8.213/1991. Na contagem recíproca entre o RGPS e o Regime Próprio da União, é possível a conversão de tempo especial em comum, cumprido até o advento da EC n.º 103/2019.
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