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23 de agosto de 2022

Reflexos da sentença trabalhista para fins previdenciários

Neste texto estão compilados todos os entendimentos sobre a utilização da sentença trabalhista como meio de prova para fins previdenciários.

Em âmbito probatório, o Código de Processo Civil admite a utilização de qualquer meio de prova lícito em direito. Porém, excepcionalmente, a legislação realiza a tarifação de provas, isto é, define qual o meio probante adequado em determinadas hipóteses. Exemplo disso é o art. 55 da Lei nº 8.213/1991 que estabelece que a comprovação de tempo de serviço/contribuição só produzirá efeito quando for baseada em início de prova material contemporânea dos fatos, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal.

Também com relação ao acervo probatório, cumpre-se ressaltar que, como regra no ordenamento jurídico brasileiro, a prova é produzida pelas partes no próprio processo. No entanto, conforme garantido pelo art. 372 do CPC, a prova produzida em outro processo, também denominada “prova emprestada”, poderá ser admitida pelo julgador, desde que observado o contraditório. Para entender mais sobre a sua aplicabilidade no processo previdenciário, clique aqui!

Diante disso, temos o seguinte questionamento: a sentença trabalhista (prova produzida em outro processo – “prova emprestada”), por si só, vale como prova de tempo de serviço/contribuição para fins previdenciários?

Embora o CPC admita a possibilidade de utilização de prova emprestada, ainda há resistência no Direito Previdenciário quanto ao uso da sentença trabalhista, o que fez com que a jurisprudência limitasse a sua utilização para fins previdenciários, conforme se demonstrará a seguir.

  • Requisitos primordiais

A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que a sentença trabalhista pode ser considerada como início de prova material, sendo apta a comprovar o tempo de serviço para fins previdenciários, mesmo que o INSS não tenha participado da relação jurídico-processual-trabalhista, desde que corroborado por outro meio de prova. (REsp n. 1.737.695/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 12/6/2018, DJe de 23/11/2018).

Ou seja, para ser hábil à demonstração da existência do vínculo empregatício para fins previdenciários, a sentença trabalhista deve ser fundada em elementos que evidenciem o exercício da atividade laborativa na função e nos períodos alegados na ação previdenciária, como prova documental e testemunhal.

A título de exemplo, em julgado recente, o STJ entendeu que, como a sentença trabalhista estava fundada apenas nos depoimentos das partes, não era possível a sua consideração como início de prova material para fins de reconhecimento da qualidade de segurado do instituidor do benefício e, por conseguinte, do direito da parte autora à pensão por morte (REsp 1974124 MG 2021/0378552-0, Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA, Data de Publicação: DJ 21/02/2022).

Assim, há diversas hipóteses em que o STJ entende que a sentença de processo da Justiça do Trabalho não é prova material com aptidão suficiente para, por si só, comprovar o efetivo tempo de serviço na esfera previdenciária, por exemplo:

    1) a sentença proferida em ação de justificação, onde não há qualquer exame probatório, quando desacompanhada de outras provas do exercício da atividade laborativa, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal (AgInt no AREsp 1078726/PE, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, DJe 01/10/2020 e AgRg no AREsp 169756/RJ, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, DJe 03/02/2017);

    2) a sentença trabalhista meramente homologatória de acordo, especialmente quando fundada apenas nos depoimentos das partes, que não contenha elementos probatórios materiais e testemunhais que evidenciem o período trabalhado e a função exercida pelo trabalhador, sendo irrelevante a participação, ou não do INSS na demanda (AgInt no AREsp 1129366/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, 2ª Turma, DJe 10/02/2020; AgInt no AREsp 1405520/SP, Rel. Ministro Sérgio Kukina, 1ª Turma, DJe 12/11/2019; AgInt no REsp 1819042/SP, Rel. Ministra Regina Helena Costa, 1ª Turma, DJe 23/10/2019; AgRg no AREsp 249.379/CE, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Turma, DJe 22/04/2014);

    3) a sentença trabalhista que reconhece o vínculo empregatício tendo como único fundamento a revelia da parte reclamada (AgRg no AREsp 791896/ES, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, DJe 11/04/2019 e AgRg no AREsp 416310/SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Turma, DJe 28/05/2015).

  • Sentença homologatória de acordo trabalhista

A Justiça do Trabalho é norteada pela busca pela conciliação e, diante disso, as sentenças homologatórias de acordos são frequentes.

Para fins previdenciários, conforme os precedentes do STJ expostos acima, a sentença homologatória de acordo trabalhista só é admitida como início de prova material desde que contenha elementos que evidenciem o período trabalhado e a função exercida pelo trabalhador, mesmo que o INSS não tenha participado da lide laboral (AgInt no AREsp 529.963/RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 28/2/2019).

Ressalta-se que a Súmula nº 31 da TNU (“a anotação na CTPS decorrente de sentença trabalhista homologatória constitui início de prova material para fins previdenciários”), vem sendo mitigada, porquanto a própria TNU já reconheceu a existência de divergência do entendimento com o que vem sendo decidido majoritariamente pelo STJ, o que culminou no processamento do PUIL nº 293 no âmbito do STJ, ainda pendente de julgamento.

  • Revisão de benefício previdenciário

O reconhecimento de tempo de serviço e/ou verbas remuneratórias pode impactar também no benefício previdenciário percebido pelo segurado ou seus dependentes.

É pacífico na jurisprudência o entendimento de que o segurado faz jus à revisão de benefício previdenciário em razão de sentença trabalhista que reconhece a inclusão de verbas remuneratórias nos salários de contribuição (REsp n. 1.674.420/PR, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 12/11/2019, DJe de 22/11/2019).

Assim, é possível postular o recálculo da RMI com a integração do tempo de contribuição e/ou das respectivas diferenças decorrentes da majoração dos salários de contribuição integrantes no período básico de cálculo.

  • Entendimento do Conselho de Recursos da Previdência Social (CRPS)

No mesmo sentido da via judicial, em âmbito recursal administrativo, o Enunciado nº 03 do CRPS estabelece que a comprovação do tempo de contribuição através de demanda trabalhista somente produzirá efeitos para fins previdenciários quando baseada em início de prova material contemporânea aos fatos.

Porém, o CRPS determina que não será exigido início de prova material se o objeto da ação trabalhista for a reintegração ou a complementação de remuneração, desde que devidamente comprovado o vínculo anterior em ambos os casos.

Em síntese, em âmbito judicial ou administrativo, o entendimento majoritário é no sentido de que, para ser utilizada para fins previdenciários, a demanda trabalhista que culmina seja em sentença condenatória ou homologatória deve ser instruída com elementos probatórios materiais e testemunhais que evidenciem a relação empregatícia.

Partindo da premissa de que a demanda trabalhista pode ser oriunda de tentativa de fraude para concessão de benefícios previdenciários (como aposentadoria), algumas decisões judiciais citam ainda como requisito complementar o ajuizamento da demanda trabalhista de forma contemporânea ao término do vínculo.

Por fim, destaca-se que, independentemente de ação trabalhista, a comprovação do tempo de serviço/contribuição também pode ser feita de forma autônoma no processo administrativo previdenciário e, posteriormente, se for o caso, em âmbito judicial. A esse propósito, o art. 48 da IN nº 128/2022 cita alguns exemplos de documentos comprobatórios do exercício da atividade remunerada, como CTPS, ficha de registro de empregados, contrato individual de trabalho, TRCT, extrato analítico do FGTS, entre outros.

Texto produzido por Fernanda Dornelas Carvalho. Advogada e pós-graduanda em
Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) e em Direito Previdenciário Militar.

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