Não é possível enquadrar como salário-maternidade os valores pagos às empregadas gestantes afastadas por força do disposto na Lei n. 14.151/2021, enquanto durar o respectivo afastamento.
Durante do período de emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do coronavírus SARS-CoV-2, a necessidade de resguardar as pessoas da possível contaminação pelo vírus ensejou a adoção de diversas práticas preventivas, muitas delas regulamentadas por lei.
À época o portal O|Guia|Previdenciário trouxe um texto sobre a questão que assim tratava: O INSS e o afastamento das gestantes empregadas no período da pandemia.
Naquele período, a legislação trouxe determinação para que todas as mulheres empregadas e gestantes se afastassem do ambiente presencial do trabalho, ficando à “disposição do empregador para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância, sem prejuízo de sua remuneração”.
Essa determinação estabelecida pela Lei nº 14.151 de 2021 gerou algumas controvérsias em razão da impossibilidade de exercício de algumas profissões por meio do trabalho remoto.
Por exemplo, diversos hospitais que tinham empregadas gestantes na atividade de assistência ao paciente (enfermeiras e técnicas de enfermagem) tiveram que afastar estas trabalhadoras sem a possibilidade de adaptação para um tipo de trabalho que pudesse ser exercido no ambiente domiciliar.
Essas empresas que afastaram suas empregadas gestantes e se viram impossibilitadas de viabilizar uma atividade remota para substituir a rotina de trabalho, acabaram direcionando as colaboradoras para o INSS em licença-maternidade e buscando o salário-maternidade.
Contudo, o INSS não reconheceu o direito ao benefício, registrando que o afastamento não se enquadrava nos termos dos artigos 71 a 73 da Lei nº 8.213/91.
A questão foi judicializada e no último dia 04/06/2024, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, por unanimidade, proferiu decisão nos autos do Agravo Interno no REsp 2.109.930-PR, de relatoria do Ministro Francisco Falcão, para decidir na seguinte linha:
INTEIRO TEOR
“A lei n. 14.151/2021 teve como objetivo propor solução, durante a emergência de saúde pública decorrente da pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2, à situação das grávidas gestantes, determinando que ficassem em teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho à distância, sem prejuízo da remuneração. Posteriormente, a referida norma foi alterada pela Lei n. 14.311/2022, limitando o afastamento às grávidas gestantes que não tivessem completado o ciclo vacinal contra o agente infeccioso, assim como permitiu que aquelas que ainda não pudessem voltar ao trabalho presencial fossem realocadas em funções exequíveis por meio do trabalho remoto, também sem prejuízo à remuneração.
Não é possível enquadrar a referida situação à hipótese de licença-maternidade, benefício previdenciário disciplinado pelos arts. 71 a 73 da Lei n. 8.213/1991, ainda que pontualmente o empregador não consiga alocar a empregada gestante em teletrabalho, sob pena de conceder benefício previdenciário sem previsão legal, sem a correspondente indicação da fonte de custeio (art. 195, §5º, CF) e em desrespeito ao equilíbrio financeiro e atuarial (art. 201, CF). Ademais, a LC n. 101/2000, em seu art. 24, impede a concessão de benefício relativo à seguridade social, sem a devida indicação da fonte de custeio total.
O afastamento do trabalho presencial determinado pela Lei n. 14.311/2022 não se confunde com a licença-maternidade concedida às seguradas em razão da proximidade do parto ou da sua ocorrência, visto que nessa hipótese as empregadas efetivamente são afastadas de suas atividades, sejam elas presenciais ou não. Ou seja, durante a licença-maternidade ocorre a suspensão ou a interrupção do contrato de trabalho, enquanto na situação prevista pela Lei n. 14.311/2022 se exige apenas uma adaptação quanto à forma da execução das atividades pela empregada gestante.
Ressalte-se que são inquestionáveis os desgastes sofridos por toda a sociedade em decorrência da pandemia provocada pelo vírus SARS-CoV-2, exigindo uma série de adaptações. Nesse sentido, as consequências e as adaptações são, por óbvio, indesejadas, mas devem ser suportadas tanto pela iniciativa privada quanto pelo Poder Público, e não exclusivamente por este, de modo que a providência determinada pela Lei n. 14.311/2021 é medida justificável e pertinente, sendo plenamente possível a sua implementação, sobretudo com o advento da possibilidade de alteração das funções exercidas pelas empregadas gestantes”.
Nestes sentido, restou fixada a tese de que não é possível enquadrar como salário-maternidade os valores pagos às empregadas gestantes afastadas por força do disposto na Lei n. 14.151/2021, enquanto durar o respectivo afastamento. As empresas que assim procederam não estão legitimadas pela decisão à operar descontos em suas contribuições patronais e caso tenham feito, deverão promover os acertos necessários para evitar implicações sancionatórias pela Receita Federal do Brasil.
Texto produzido por Bruno Valente Ribeiro, coordenador do portal O|Guia|Previdenciário, professor de direito previdenciário e Procurador Federal (AGU).
O valor correspondente à participação do trabalhador no auxílio alimentação ou auxílio transporte, descontado do salário do trabalhador, deve integrar a base de cálculo da contribuição previdenciária patronal.
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